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Domingo, 30 de Março de 2008
Episódio foi infeliz mas é a excepção
JN juntou alunos e professores para debater agressão a docente
 
O assunto não é desvalorizado, mas também não é usado para fazer extrapolações pessimistas sobre o sistema de ensino. Desafiados a reflectir, na redacção do JN, sobre o conflito que saltou, há duas semanas, do interior de uma escola do Porto para a comunicação social, quatro professores de quatro escolas diferentes, usam frases medidas, pensadas, pesadas para o debater. Evitam-se juízos de valor, mas há uma convicção a uni-los: "O episódio da aluna que agrediu a docente é muito grave, mas está longe de representar a falência da escola enquanto sistema e longe de representar a relação entre professores e alunos", Dito de outra forma: "Foi um episódio infeliz, mas representa a excepção".
 
Teresa Pinto de Almeida, professora de Inglês no estabelecimento visado, receia a estigmatização da escola e lamenta as ilações que tem visto serem retiradas a propósito do incidente.
 
"A Carolina nunca foi problemática. O episódio do telemóvel é infeliz, muitíssimo grave e reprovável, mas não pode ser usado para rotular a escola ou para nos fazer embarcar em pessimismos". Ao contrário, acrescenta, "espero que sirva para agitar a consciência colectiva para as questões da indisciplina".
 
Manuela Matos Monteiro, 36 anos a leccionar Psicologia - actualmente na Escola Filipa de Vilhena, no Porto - também recusa entrar numa corrida em que todos parecem precisar encontrar um bode expiatório para explicar o sucedido. "É um erro querer encontrar um culpado - seja a psicanálise, a ministra ou o estatuto do aluno. É um erro dizer que "no meu tempo não era assim" - porque também era; é um erro desvalorizar o assunto - e a repetição incansável do filme é terrível porque banaliza as imagens e torna-nos insensíveis à situação", que a docente insiste em dizer que é "excepcional". Os pares concordam, confessam o choque, mas revelam dificuldade em verbalizar, de acordo com a experiência pessoal, o que na situação é realmente novo.
 
"Chocou-me a impassividade da turma, a falta de solidariedade e de valores daqueles que serão os cidadãos de amanhã", confessa Manuel da Costa, professor de Educação Visual e Tecnológica na Escola Sá de Miranda, no Porto, acrescentando que, durante muito tempo, questionou-se se "o uso do telemóvel seria um desafio à autoridade até perceber que os alunos o vêem como uma espécie de prolongamento da sua individualidade". De qualquer forma, admite que, com a mediatização do caso, o sentimento foi o de ver "a classe vilipendiada".
 
É na extensão da "humilhação" que Sandra Bugalho, professora de Ciências há sete anos, coloca também a ênfase. "Há um aluno que teve a frieza de filmar uma situação com a qual deveria ter sido solidário, e publicá-la. O problema novo é estender a humilhação a que sujeitaram a docente a toda a comunidade".
 
Manuela Matos Monteiro tem reservas em relação à consciência das implicações na divulgação do vídeo: "A relação que os alunos fazem entre público e privado é completamente diferente da nossa. Para eles, tudo é passível de ser colocado no Youtube".
 
Aliás, para esta professora, as novas tecnologias servem para explicar algumas das mutações sociais mais importantes das últimas décadas, nomeadamente na relação professor-aluno. "Somos a geração de adultos - pais, professores, educadores - que, pela primeira vez, na história da humanidade, temos alunos e filhos que dominam uma área com uma competência que nós jamais teremos. Eles aprenderam sozinhos, e com prazer, a socializar num novo mundo no qual nós tentamos entrar, mas com esforço". Isso fragiliza o papel do professor? "Obviamente", responde.
 
Manuel da Costa concorda, mas ressalva que "a tecnologia dá informação, mas não dá conhecimento". E Teresa Pinto de Almeida vai ainda mais longe: "Não fornece os princípios e valores cívicos que é suposto um aluno ter".
 
Com alguma relutância em focalizarem o discurso no episódio concreto, é Manuela Matos Monteiro quem, como a própria disse, acaba por aceitar "comprometer-se", ajuizando, sem querer ajuízar, o comportamento da professora da Carolina Michaelis, uma vez que o da aluna - é consensual - não levanta qualquer dúvida.
 
"Não se chega àquela situação sem que haja uma história por trás. A colega deveria ter chamado um funcionário e participar a situação. A aproximação corpo-a-acorpo é perigosíssima. Não pode nunca chegar-se aí". Nem aí, nem ao ponto de um professor achar que "é tão bom que pode ser amigo do aluno". Não pode, reforçam todos.
 
"O professor - e isto é inegociável - é sempre o comandante do barco", atesta Manuel da Costa, confessando que, "durante muito tempo tentou perceber se o uso do telemóvel era um desafio à autoridade, até perceber que o aparelho é uma espécie de prolongamento da individualidade de cada um". Algo que tenta respeitar com "bom senso", mas sem deixar de apontar - nesta como na globalidade das questões- o dedo à ausência dos pais. "Demitiram-se da função".
 
É compreensível que a professora não tenha apresentado queixa antes da mediatização do vídeo? "É. O ónus da gestão do conflito cai sempre sobre o professor. Se não conseguir, sabe que passa por incompetente e incapaz".
 
"Professora desceu ao nível da aluna"
 
Catarina Madruga, 15 anos, estava no Gerês, de férias com colegas e docentes do 10.º ano da escola Secundária de Valadares, quando viu na televisão o episódio da aluna da Escola Carolina Michaelis, no Porto, a debater-se com a professora para obter o telemóvel. "Ficámos chocados", recorda.
 
No entanto, se a sentença a atribuir à colega pelo seu "comportamento reprovável" dependesse dos quatro estudantes que o JN reuniu numa mesa redonda, ser-lhe-ía concedida uma "segunda oportunidade".
 
"Se ela admitiu o erro e pediu desculpa, a decisão da escola não deveria ser a de a transferir de instituição", advoga João Fonseca, 13 anos, 8º ano, há dois na Escola Dr. Manuel Laranjeira, em Espinho. João Reis, 17 anos, presidente da Associação de Estudantes da Escola Aurélia de Sousa, no Porto, é mais incisivo: "Será que a colega não merece a nossa atenção?", pergunta - e dá a resposta. "De facto, é mais fácil expulsar pessoas. Mas fazê-lo quer dizer apenas que não queremos esforçar-nos por elas".
 
A frequentar o 12.º ano, o aluno defende que "por uma questão de protecção, se alguém tem um problema, a solução passa por abraçá-lo e não por mantê-lo à distância".Laura Cunha, 15 anos, única participante do debate a frequentar o ensino privado - Colégio D. Diogo de Sousa, em Braga - não optaria por banir a colega, mas constata que no local onde estuda, uma situação semelhante seria "impensável". "Tenho colegas que foram expulsos por muito menos", diz.
 
Por isso, não aplicando uma sentença que contemplasse a exclusão, a aluna do 10º ano não prescindiria do castigo. "A mudança de escola não assegura que ela não volte a reincidir. Até porque quem tem a liberdade de falar daquela forma na escola, também o faz em casa. Um castigo cívico não faz mal a ninguém".
 
À colega aplicariam pena leve - ou mais leve do que a que lhe foi atribuída -, mas para eles próprios defendem regras rígidas. "A escola tem regras.
 
É obrigação dos nossos pais mentalizar-nos para o seu cumprimento, porque a sociedade também é regida por regras. Caso contrário, não passaremos, no futuro, de selvagens", afirma João Fonseca. Reis, o outro João, volta a completar-lhe o raciocínio: "O que falta nas escolas é um protocolo claro, a definição da hierarquia.
 
Os professores até podem ser nossos amigos, mas antes disso - e não querendo voltar ao Estado Novo - têm que saber mandar em nós". A professora de Francês da Carolina Michaelis não soube exercer esse poder? A resposta é unânime: não. "Aquele que não consegue impor-se numa turma ao ponto de ninguém dessa mesma turma ser capaz de sair da sala para a acudir, cria uma situação incompreensível", observa Catarina.
 
"Entre um conjunto de regras, muitas vezes antiquadas, como a proibição de decotes ou mini-saias, e a ausência de regras, prefiro que as haja", acrescenta Laura, colocando, apesar de disso, a tónica na responsabilidade dos progenitores. "A professora pode não ter tido força suficiente para aquela aluna, mas o papel dos professores deve ser complementado com o papel dos pais. Não sei se seria o caso". João Reis volta a ser mais austero: "A professora desceu claramente ao nível da aluna. E isso quebrou o tal protocolo. Até aquela turma há-de ter-se visto confrontada com um comportamento inacreditável, em que a professora faz algo que só um aluno irracional faria", critica. É a vez de João Fonseca resumir a posição, que é a de todos: "Pareceu uma luta entre duas pessoas iguais, e isso nunca pode acontecer. Até porque havia outras soluções". Não esquecendo o objecto que deu origem ao conflito, o telemóvel é, ou não, afinal, imprescindível numa sala de aula? Ninguém o defende incondicionalmente, a não ser, talvez, João Reis."Todos os alunos que conheço têm telemóvel - tem mesmo que ser", vinca a importância do aparelho.
 
"Ninguém o usa para humilhar os professores, nem o deposita em cima da secretária. Mas está no bolso, sempre pronto a ser usado". Pronto-pronto, como numa emergência? "Sim". E o que é uma emergência? "Pode ser só uma pessoa de família, grávida, prestes a dar-nos um sobrinho", sorri. E a boa-nova não pode esperar até ao fim da aula? Resposta definitiva: "Não. Hoje, cada minuto é para ser vivido aqui e agora".
 
A conversa começa a derrapar para o sistema de ensino, afastando-se do episódio da Carolina Michaelis. E com ele, esvai-se também o consenso da mesa.João Fonseca partilha o momento em que foi vítima de bulling, andava no 6º ano. "Dois alunos extorquiram-me dinheiro por duas vezes". Soube a funcionária, o director de turma e o conselho executivo. Pena para os infractores? "Nenhuma. Tentaram que ficássemos amigos". Ficaram? "Não, pedi para mudar de escola". João sentiu-se "desprotegido" e isso irrita Laura, acérrima defensora do sistema privado. "Lá no colégio, uma situação dessas não passaria impune". João Reis sai em defesa do sistema público: "Os colégios privados são endeusados, escondem os seus problemas e tendem a apaparicar os seus alunos, porque precisam mais deles do que o Estado". Catarina concorda.
 
Helena Teixeira da Silva, Jornal de Notícias
publicado por pedro-na-escola às 22:37
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